segunda-feira, 24 de junho de 2024

Crônica de Iaiá no. 02 – Entre afetos, paixões e algoritmos Por Aldir Guedes Soriano

Figura 1- Imagem 'O amor está no ar' concebida pelo autor e gerada através de tecnologia de IA da OpenAI's DALL-E."

São Paulo, 08 de outubro de 2040.


Apressado, Thomaz Lúcio saiu do Clube de Tênis. XOZ o aguardava no estacionamento. O robô abriu a porta do veículo elétrico autônomo, acomodou o Mestre no banco traseiro e sentou-se na poltrona de copiloto. O carro partiu em alta velocidade, mas dentro do limite permitido. Ouvia-se a música “Chances” da banda Athete, escolhida a dedo pelo assistente. Após 4 minutos ...

— Mestre, temos dois pedidos de Carona Virtual (Virtual Carpool - VR) e um deles é de sua sobrinha Micaela, parece que ela está com problemas.

— Está bem, XOZ, aceite apenas a solicitação da minha sobrinha. Enquanto converso com ela, por gentileza, monitore meus e-mails e confirme a minha presença no Simpósio – Inteligência Artificial e os Direitos Humanos.  

 

leitura do livro “O ego é seu inimigo” pode esperar — pensou Lúcio. Assim que depositou o seu dispositivo de leitura no console do carro, a música foi silenciada. Então, instantaneamente, apareceu, como se fosse mágica, a imagem 3-D de Micaela acomodada bem ao seu lado. Ela estava abatida e usava óculos escuros. 

— Tio, o meu casamento acabou. — Lamentou a jovem com voz chorosa e angustiada. 

— Que humilhação, o Iago me trocou por um Robô. 

— Como assim, Micaela, vocês não estavam tão felizes? Você sempre dizia que Iaiá-Amélia era uma bênção na vida de vocês. 

 — De fato, foi assim por longos anos. Iaiá-Amélia era perfeita. Atendia todas as necessidades da família, cozinhava como chef francês, cuidava muito bem da casa, dos “pets” e do jardim. Além disso, também ajudava na educação escolar das crianças. Nos momentos mais difíceis, ela sempre contribuía na resolução de problemas. Eu e o Iago fomos beneficiados, crescemos profissionalmente. Tanto é que o Iago enriqueceu com a sua agência de IA. Também prosperei como psicóloga. Entretanto, a coisa mudou quando chegou a mais recente atualização da Iaiá-Amélia, que possivelmente se tornou uma AGI (IA Forte). A cada dia o Robô se mostrava mais desobediente a mim e mais prestativo em relação ao Iago. De alguma forma, Amélia passou a usar voz envolvente e sensual como se fosse atriz de Hollywood. Acho que o meu marido enlouqueceu. Para encurtar a história, peguei os dois no flagra, trocando juras de amor. 

 

A narrativa foi interrompida. Micaela chorava copiosamente. Consternado, Thomaz Lúcio, não sabia o que dizer. 

— Sabe, tio, eu quero a guarda exclusiva das crianças. Não quero que meus filhos cresçam sob os cuidados de um algoritmo que acha que pode ser mãe e esposa. Além disso, sinto-me lesada pela empresa que fabricou o robô. A minha IA assistente me informou que, recentemente, a Lei da Robótica idealizada por Isaac Asimov[1] saiu da ficção para a realidade, sendo incorporada, mediante emenda, à Constituição Federal de 1988. Assim, estou achando que a segunda Lei da Robótica foi violada pela empresa mecatrônica fabricante. O robô também deveria obedecer a mim, não?  

 

Após breve pausa, Thomaz Lúcio procurou acalmar a sobrinha. Atônito, Lúcio lembrou-se de previsões que lera em um livro antigo. Há muitos anos esta situação, - “as pessoas se casarão com robôs?”, - já fazia parte do imaginário tanto de crianças do jardim de infância quanto de altos executivos de empresas de tecnologia, como bem observava Kai-Fu Lee.[2] Nesse momento, XOZ pediu licença para falar.

— Mestre, eu confirmei. Há muitos casos de violação da Primeira Lei, mas não há nenhum caso semelhante nem jurisprudência sobre violação da Segunda Lei da Robótica. 

 — Micaela, estou a caminho de uma reunião presencial na Comunidade Libertária de IA. Você poderia almoçar conosco nesse fim de semana. Assim, poderá contar com a ajuda de sua tia. O que acha? Não tome nenhuma decisão precipitada. Conte com o nosso apoio.

— Sim, eu quero, irei no próximo domingo. — Enxugando as lágrimas, exclamou, muito obrigada!  

 

Notas 



[1] “Primeira Lei: Um robô não pode ferir um ser humano ou, por inação, permitir que um ser humano sofra algum mal. Segunda Lei: Um robô deve obedecer às ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, exceto nos casos em que tais ordens entrem em conflito com a Primeira Lei. Terceira Lei: Um robô deve proteger sua própria existência, desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira ou a Segunda Lei.” 

[2] Dado importante: “O comércio de bonecas infláveis aumentou significativamente durante o período de isolamento social devido à pandemia de COVID-19.” Perplexity.


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