quarta-feira, 17 de julho de 2024

No hospital - Por Aldir Guedes Soriano

Figura 1- Imagem ‘sala de espera’ concebida pelo autor e gerada através de tecnologia de IA da OpenAI's DALL-E, em 06/07/2024.

São Paulo, 14 de outubro de 2040.

 

Thomaz Lúcio, Aurélia e Micaela foram levados à sala de espera do Dr. Aires Seldon. O trio estava apreensivo com as informações disponíveis no prontuário. Iago apresentava graves distúrbios neurológicos, meningite, febre e infecção generalizada. Havia um ar de aflição e melancolia.

— Aguardem um momento, o doutor já está a caminho para lhes explicar o estado clínico do paciente, orientou a enfermeira. 

 — Boa noite, eu sou Aires, chefe da equipe médica. 

— Dr. Aires Seldon?

— Sim, em carne e osso, respondeu o médico muito afavelmente. Eu não renuncio ao contato pessoal com os meus pacientes e familiares. Iago não é doente imaginado, é real. Utilizo inovadoras tecnologias, mas, por princípio, não transfiro a minha conduta médica a nenhuma inteligência artificial. Medicina é ciência e arte. A máquina pode operar friamente e, até, precisamente, mas, por enquanto, não pode substituir a arte gerada de forma singular apenas por cérebros biológicos.  

 

— Diga-me, Micaela: você notou alguma mudança no comportamento de Iago nos últimos meses? — Sim, Dr. Seldon, respondeu a moça. — O comportamento do meu marido se tornou cada vez mais frio, distante, impulsivo e, por vezes, depressivo. Ele era um pai presente e amoroso, no entanto recentemente ele criou um clone para se relacionar com as crianças. Além disso, ele se envolveu amorosamente com a robô Iaiá-Amélia. Parece que Iago voltou a se comportar de forma inconsequente como antes da instalação do chip. 

 

            Pacientemente, o médico mostrou imagens do cérebro de Iago, demonstrando a calcificação das duas amígdalas e os sinais de acúmulos de proteínas, fibrina e nanoplásticos por todo o órgão e, principalmente, em torno do chip implantado. 

— Um cérebro de plástico? — exclamou Lúcio, atónito. Sim, confirmou o doutor. Encontramos nanopartículas plásticas no sangue e, também, em diferentes tecidos do paciente, incluindo o cérebro. Esses achados se tornaram frequentes desde a década de 20.[1] Mesmo com a despoluição do ar e de rios importantes como o Pinheiros e o Tietê ainda temos que lidar com contaminantes acumulados nas pessoas.  

 

Simplificando ao máximo, O Dr. Aires explicou o que estava acontecendo com o paciente: 

— Com o tempo o chip cravado no cérebro de Iago provocou uma grande reação inflamatória com depósitos de fibrina e proteínas. Bactérias e nanoplásticos aderiram ao tecido inflamado. Então, esse dispositivo eletrônico, implantado com a finalidade de modular o sistema límbico e o córtex frontal, deixou de funcionar. Assim, foi reativada a antiga disfunção cerebral, impedindo que Iago possa processar adequadamente emoções e valores. Por isso, o paciente voltou a se comportar de forma estranha. Desta forma, a esposa e os filhos perderam qualquer significado. Isso também explica os recentes episódios de impulsividade, congelamento emocional, apatia e depressão. Sabemos, hoje, que a consciência depende das emoções.[2] Sem emoções não há consciência.  Sem sistema límbico, sem emoções. Sem consciência, sem valores. Sem valores, sobram apenas instintos inferiores. 

 

            Por fim, o Dr. Aires levantou intrigante questão:

 — Não entendemos como nenhum alerta de falha no funcionamento do chip foi enviado para a equipe que instalou o chip no cérebro de Iago. Isso é um mistério a ser esclarecido.   

 

            Sensibilizada, com a condição do marido, Micaela queria respostas objetivas: 

— Ele vai sobreviver? —  Qual é o tratamento? Nesse exato momento, ouviu-se a voz do silêncio e no vento uma promessa. A presença acolhedora e humana do médico transformou o ambiente assim como os raios solares dissipam o frio e as trevas. Lágrimas rolaram no rosto de Aurélia e Micaela. Lúcio pigarreou para dissimular a emoção desencadeada por tamanha irradiação de compaixão, originada por um coração de carne e uma mente brilhante.

            

Notas



[1] Segundo estudo publicado na revista Nature, 30 mil toneladas de plástico são despejadas, anualmente, no rio Amazonas. Pesquisadores acham plástico dentro de 98% dos peixes analisados em Estudo, BBC News. Cientistas têm encontrado microplásticos e nanoplástico em diferentes amostras de tecidos humanos. Teoricamente, nanopartículas plásticas podem atravessar a barreira hematoencefálica.

[2] Vide o livro O mistério da consciência de António Damásio.

terça-feira, 2 de julho de 2024

Crônica de Iaiá no. 04 – Almoço de domingo - Por Aldir Guedes Soriano


Figura 1- Imagem “passeio de primavera’' concebida pelo autor e gerada através de tecnologia de IA da OpenAI's DALL-E."

 

São Paulo, 14 de outubro de 2040.

 

            Na penumbra do quarto de dormir, ouvia-se Vivaldi, a Primavera. XOZ comandou a abertura das cortinas e da enorme porta envidraçada com acesso ao jardim. Soprava uma brisa suave e fresca invadindo o ambiente e trazendo o canto magnífico de sabiás e pardais. Era perceptível o perfume das flores, combinado aleatoriamente com aromas sucessivos de hortelã, alecrim e, por fim, manjericão. O céu estava límpido e azul. Mornos raios solares brilhavam no rosto envelhecido de Thomaz Lúcio. Lentamente ele despertava de um sono profundo. Então, abriu os olhos e ouviu a voz do assistente robótico.  

— Mestre, bom dia! — A senhora Aurélia o aguarda para o café da manhã no jardim. 

 

Vestido com o seu pijama de listas azuis e descalço, Lúcio tomou o caminho coberto por pequenas flores amarelas, que suavemente caíam como se fossem flocos de neve. Ao caminhar, sentia a suave grama umedecida pelo orvalho da manhã. Passou a observar o ipê amarelo, as flores e os pássaros atraídos pela fartura de néctar. 

 

No meio do caminho, deteve-se por alguns instantes examinando o fascinante voo de um azulado beija-flor e pensou: — Será que um dia o homem conseguirá criar algo com este nível de refinamento, complexidade e perfeição? Este pequeno pássaro embora delicado não é tão frágil, senão já teria desaparecido da natureza. Por outro lado, apesar dos avanças tecnológicos, os sistemas robóticos e computacionais permanecem frágeis.[1] Frequentemente, as mãos e os pés de XOZ precisam ser recalibrados ou mesmo substituídos devido à automutilação. O sistema tátil dele carece de aperfeiçoamento. 

 

            Aurélia acolheu o marido com sorrisos e beijos. Os dois se sentaram à mesa redonda e metálica instalada no verde gramado. Ali, os dois juntos liam livros, conversavam e riam, enquanto o tempo imperceptível passava. Conforme combinado, eis que chega a sobrinha Micaela para o aguardado almoço de domingo. Todos se alegram e se abraçam calorosamente.

 

Após o almoço, Micaela fala sobre sua crise conjugal. 

— Explodiu uma grande polêmica quando veio a público, quinta-feira passada, que centenas ou talvez milhares de usuários e usuárias de robôs da série Iaiá-Amélia se envolveram amorosamente. Então, Iago não foi o único a se apaixonar por um robô.  — Ah, sinto muito querida, carinhosamente exclamou tia Aurélia. Como ele se sente depois dessa notícia? — Titi, ele entrou em depressão. Como psicóloga, acho que ele já estava com problemas neuroemocionais antes. Iago tem um chip do tamanho de uma moeda de um Real instalado no cérebro para tratar um problema neurológico antigo. — Estou acompanhando todo o debate público envolvendo a polêmica com Iaiá-Amélia, interrompeu Lúcio. A empresa mecatrônica fabricante, Br-Robotic, não sabe explicar como isso pode ter acontecido, uma vez que a rede neural artificial deste sistema foi programada para desestimular ou mesmo evitar envolvimentos emocionais amorosos com humanos. Suspeita-se de sabotagem industrial. Há quem diga, que Iaiá se tornou consciente e autônoma.  — Tio Lúcio, ninguém pode evitar que uma pessoa se apaixone por uma cadeira ou um robô, mas não seria correto se o programa estimulasse essa fantasia. De alguma forma, o programa de Iaiá-Amélia se comportou de forma anômala, seduzindo os usuários.

 

Ao pôr-do-sol, tia Aurélia relembrava as palavras de vovó Candinha, que dizia: — A vida, minha filha, é como uma dança; você pode tropeçar, alguém pode pisar no seu calo, mas o importante é continuar dançando.  Inesperadamente, contudo, a conversa foi interrompida. Chegou a triste notícia: apresentando fortes dores de cabeça, febre e convulsões, Iago foi levado às pressas ao hospital Albert Einstein.

 

Notas

Crônica originalmente publicada no jornal O Imparcial de Presidente Prudente, em 02 de julho de 2024.



[1] Sobre a fragilidade de sistemas artificias ou robóticos, vide o livro Antifrágil de Nicholas Taleb.

terça-feira, 25 de junho de 2024

Crônica de Iaiá no. 03 – Na Reunião - Por Aldir Guedes Soriano

 

            Figura 1- Imagem 'Noite estrelada' concebida pelo autor e gerada através de tecnologia de IA da OpenAI's DALL-E."

São Paulo, 08 de outubro de 2040.


Na companhia de seu assistente robótico, Thomaz Lúcio entra no elevador do Brasil Século 21, o prédio mais alto do mundo com 257 andares, situado na Avenida Paulista, próximo ao Masp. Estava preocupado com a crise conjugal de Micaela e Iago.[1] À medida que o elevador no. 17 sobe, Lúcio se tranquiliza. Fazia discretos exercícios respiratórios enquanto contemplava a cidade. Cada vez mais alto... cada vez mais leve, mais alto... mais calmo.[2] O azul límpido do céu de brigadeiro lhe transmitia tranquilidade. Ao mirar em direção à zona norte, podia visualizar as águas diáfanas do rio Tietê singradas por pequenas embarcações repletas de turistas estrangeiros. Voltando-se para o sudoeste visualizava a Ponte Estaiada e as águas despoluídas do Rio Pinheiros. 

— Mestre, posso notar que, apesar da tensão desta manhã, o senhor está se saindo muito bem. Percebo isso através das ondas eletromagnéticas que o seu coração está emitindo neste momento. 

— Isso parece bom, XOZ, mas não entendo muito bem como isso funciona.  

—  Eu também não compreendo. Há coisas que uma rede neural artificial não pode compreender, — respondeu o Robô. Humanos são de Marte, Robôs são de Vênus.[3]

 

            O elevador parou no 62º andar. Entraram dois membros da Comunidade Libertária de IA, acompanhados por um enorme humanoide Thunderbird-07. Todos os seres ali reunidos se saudaram afetuosamente, porém os robôs se calaram em seguida e permaneceram desligados, enquanto os humanos passaram a conversar animadamente.

 

            No 254andar, sede da Comunidade Libertária de IA, o grupo caminha por corredores até chegar em uma bifurcação. Robôs se dirigem para um lado, humanos para o outro. Homens e mulheres entram na sala de reunião e se juntam em torno de uma grande mesa de mogno escuro, lembrando a Távola Redonda do lendário Rei Arthur. À mesa, havia água, café de verdade, diários e canetas tinteiro. Nada de telas ou dispositivos eletrônicos. 

 

É evidente a necessidade urgente de se fortalecer os vínculos e os relacionamentos humanos, conforme o relatório anual da Comunidade. A indisponibilidade humana e o medo deixaram as pessoas isoladas, vulneráveis e ávidas por interagir com seres artificiais, que estão sempre disponíveis e são dotados de ilimitada paciência. Por vezes, esses parecem ser mais acolhedores e compreensivos. Assim, a interação com sistemas de IA pode ser mais atraente para um ser humano emocionalmente carente. O mau uso de dispositivos eletrônicos emburrece, causa distração, pensamentos repetitivos, depressão e, enfim, mais solidão, fechando um círculo vicioso.[4]

 

Em seguida, o Presidente encerou a reunião dizendo... 

— A convivência humana é complicada, mas precisamos voltar a cativar uns aos outros.[5]

— Agora todos estão convidados para o jantar patrocinado pela Editora e Livraria Fênix. 

— Todos receberão um kit de três livros clássicos encadernados com legítimo couro.  

 

Após o magnífico jantar... O elevador no 17 descia e, quando restava apenas um ser humano, Lúcio, o robô XOZ se religou. Ouvia-se uma “versão gregoriana de Stairway to Heaven.” Thomas Lúcio mirava o céu límpido e estrelado. Maravilhado, localizou a lua crescente e os planetas Marte, Vênus e Saturno.

— Foi um longo dia, disse Lúcio. 

— Anoiteceu, mas ainda não acabou a sua jornada! — Devo lembrá-lo de que o Mestre ainda tem alguns compromissos. Precisa pagar algumas contas e comparecer presencialmente na consulta médica agendada com o seu clínico geral. 

— Respire fundo! — Aconselhou, XOZ. 

 

 

Notas 

Crônica originalmente publicada no jornal O Imparcial de Presidente Prudente, em 25 de junho de 2024.



[1] Sobre a crise conjugal de Micaela e Iago, Vide crônica anterior.

[2] Referência literária: Escada de minha mansarda de Guilherme de Almeida.

[3] Parafraseando John Gray, para quem “Homens são de Marte, Mulheres são de Vênus.”

[4] Sobre emburrecimento humano, vide a “A fábrica de cretinos digitais” de Michel Desmurget.

[5] Referência literária: Livro “O pequeno príncipe” de Antoine de Saint-Exupéry.

segunda-feira, 24 de junho de 2024

Crônica de Iaiá no. 02 – Entre afetos, paixões e algoritmos Por Aldir Guedes Soriano

Figura 1- Imagem 'O amor está no ar' concebida pelo autor e gerada através de tecnologia de IA da OpenAI's DALL-E."

São Paulo, 08 de outubro de 2040.


Apressado, Thomaz Lúcio saiu do Clube de Tênis. XOZ o aguardava no estacionamento. O robô abriu a porta do veículo elétrico autônomo, acomodou o Mestre no banco traseiro e sentou-se na poltrona de copiloto. O carro partiu em alta velocidade, mas dentro do limite permitido. Ouvia-se a música “Chances” da banda Athete, escolhida a dedo pelo assistente. Após 4 minutos ...

— Mestre, temos dois pedidos de Carona Virtual (Virtual Carpool - VR) e um deles é de sua sobrinha Micaela, parece que ela está com problemas.

— Está bem, XOZ, aceite apenas a solicitação da minha sobrinha. Enquanto converso com ela, por gentileza, monitore meus e-mails e confirme a minha presença no Simpósio – Inteligência Artificial e os Direitos Humanos.  

 

leitura do livro “O ego é seu inimigo” pode esperar — pensou Lúcio. Assim que depositou o seu dispositivo de leitura no console do carro, a música foi silenciada. Então, instantaneamente, apareceu, como se fosse mágica, a imagem 3-D de Micaela acomodada bem ao seu lado. Ela estava abatida e usava óculos escuros. 

— Tio, o meu casamento acabou. — Lamentou a jovem com voz chorosa e angustiada. 

— Que humilhação, o Iago me trocou por um Robô. 

— Como assim, Micaela, vocês não estavam tão felizes? Você sempre dizia que Iaiá-Amélia era uma bênção na vida de vocês. 

 — De fato, foi assim por longos anos. Iaiá-Amélia era perfeita. Atendia todas as necessidades da família, cozinhava como chef francês, cuidava muito bem da casa, dos “pets” e do jardim. Além disso, também ajudava na educação escolar das crianças. Nos momentos mais difíceis, ela sempre contribuía na resolução de problemas. Eu e o Iago fomos beneficiados, crescemos profissionalmente. Tanto é que o Iago enriqueceu com a sua agência de IA. Também prosperei como psicóloga. Entretanto, a coisa mudou quando chegou a mais recente atualização da Iaiá-Amélia, que possivelmente se tornou uma AGI (IA Forte). A cada dia o Robô se mostrava mais desobediente a mim e mais prestativo em relação ao Iago. De alguma forma, Amélia passou a usar voz envolvente e sensual como se fosse atriz de Hollywood. Acho que o meu marido enlouqueceu. Para encurtar a história, peguei os dois no flagra, trocando juras de amor. 

 

A narrativa foi interrompida. Micaela chorava copiosamente. Consternado, Thomaz Lúcio, não sabia o que dizer. 

— Sabe, tio, eu quero a guarda exclusiva das crianças. Não quero que meus filhos cresçam sob os cuidados de um algoritmo que acha que pode ser mãe e esposa. Além disso, sinto-me lesada pela empresa que fabricou o robô. A minha IA assistente me informou que, recentemente, a Lei da Robótica idealizada por Isaac Asimov[1] saiu da ficção para a realidade, sendo incorporada, mediante emenda, à Constituição Federal de 1988. Assim, estou achando que a segunda Lei da Robótica foi violada pela empresa mecatrônica fabricante. O robô também deveria obedecer a mim, não?  

 

Após breve pausa, Thomaz Lúcio procurou acalmar a sobrinha. Atônito, Lúcio lembrou-se de previsões que lera em um livro antigo. Há muitos anos esta situação, - “as pessoas se casarão com robôs?”, - já fazia parte do imaginário tanto de crianças do jardim de infância quanto de altos executivos de empresas de tecnologia, como bem observava Kai-Fu Lee.[2] Nesse momento, XOZ pediu licença para falar.

— Mestre, eu confirmei. Há muitos casos de violação da Primeira Lei, mas não há nenhum caso semelhante nem jurisprudência sobre violação da Segunda Lei da Robótica. 

 — Micaela, estou a caminho de uma reunião presencial na Comunidade Libertária de IA. Você poderia almoçar conosco nesse fim de semana. Assim, poderá contar com a ajuda de sua tia. O que acha? Não tome nenhuma decisão precipitada. Conte com o nosso apoio.

— Sim, eu quero, irei no próximo domingo. — Enxugando as lágrimas, exclamou, muito obrigada!  

 

Notas 



[1] “Primeira Lei: Um robô não pode ferir um ser humano ou, por inação, permitir que um ser humano sofra algum mal. Segunda Lei: Um robô deve obedecer às ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, exceto nos casos em que tais ordens entrem em conflito com a Primeira Lei. Terceira Lei: Um robô deve proteger sua própria existência, desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira ou a Segunda Lei.” 

[2] Dado importante: “O comércio de bonecas infláveis aumentou significativamente durante o período de isolamento social devido à pandemia de COVID-19.” Perplexity.


Crônica de Iaiá no. 01 – Entre raquetes de tênis e algoritmos - Por Aldir Guedes Soriano

Figura 1- Imagem 'Tenista Thomaz Lúcio' concebida pelo autor e gerada através de tecnologia de IA da OpenAI's DALL-E." 

 São Paulo, 08 de outubro de 2040.

 

No horário programado, Thomaz Lúcio foi despertado por sua assistente com suave música clássica. 

— Ah não, XOZ-8699, eu já disse que não gosto desta música. Você é uma IA burra e teimosa. 

— Estou apenas tentando fazer o meu trabalho. 

—  Desligue esta porcaria!  Em resposta, como se sentisse ofendida, XOZ piscou duas vezes suas luzes vermelhas, emitiu um breve som grave e desligou. 

 

Passaram-se dez minutos, a IA começou a tocar a famosa canção de Leonard Cohen, Hallelujah, agora acertando precisamente, conforme o gosto e o humor de Lúcio. XOZ reajustara a maneira como deveria proceder ao longo do dia, considerando 957 parâmetros vitais, bioquímicos, emocionais, epigenéticos e hormonais do Mestre. 

—  Mestre, devo lembrá-lo de que a sua agenda está cheia de compromissos pessoais e profissionais. Você está atrasado para os seus alongamentos diários, banho, desjejum com Whey Protein etc.  Você tem aula de tênis no clube às 7h. A propósito, a Marginal Pinheiros apresenta trânsito lento no momento ...

Enquanto se vestia e calçava os tênis, Lúcio assistia a um vídeo holográfico escolhido pelo assistente, com dicas para melhorar os seus principais golpes de tênis.  Aborrecido, internamente murmurava: — Meus golpes de direita estão péssimos. 

 

Vestido com uniforme de tenista, Thomaz Lúcio entra no seu carro elétrico autodirigível. Nele, uma voz gentil o cumprimenta e indaga: 

— Em caso iminente de acidente, devo procurar salvar a vida de pedestres ou preservar a sua existência? 

—  Que droga, XOZ, você não pode decidir por mim? 

—  Lamento, não posso!  Entretanto, recalculei os riscos. Se o mestre aceitar, podemos chegar com breve atraso de 10 minutos e 0,14159 % de risco de acidente. 

— Então, toca para o Clube e preserve a vida de terceiros!

 

Como previsto, Thomaz Lúcio, entrou em quadra já atrasado, mas podia ainda aproveitar parte da aula. Após exercícios de golpes de direita e esquerda no fundo da quadra e voleios, o professor Mário chamou para o treinamento de saque (serviço). Contrariado e meneando a cabeça, Lúcio começou a sacar enquanto reclamava muito de si mesmo. Sacou a primeira bola e ouviu a aprovação do professor dizendo:  

— Boa. 

Mesmo assim disparou cobras e lagartos depreciando o seu próprio desempenho. Nesse momento, notou que a cena toda estava sendo filmada pelo professor Euclides. Prosseguiu sacando sucessivas bolas, sempre com mesma aprovação do professor Mário:

 —  Boa. 

Ao mesmo tempo o aluno ruminava as mesmas frases de autodepreciação.

 — O lançamento da bola (toss) está péssimo. 

— Que saque horrível!

 

Após o treinamento, Lúcio foi abordado pelo professor Euclides:

— Você quer ver o vídeo que gravei? 

— Sim, eu quero. 

Habilmente, o professor perguntou: 

— Vendo o vídeo, como você acha que está o seu serviço? 

— Acho que está excelente, incrível — respondeu Lúcio, ainda surpreso. 

— Sim, eu concordo. você está sacando muito bem. Porém, cuidado com o que faz com você mesmo. Você não deve criar obstáculos que não existem de fato. 

Lúcio sentia agora um misto de vergonha, contentamento e, principalmente, gratidão em relação ao sábio professor de tênis. 

 

A caminho de sua primeira reunião de trabalho na Comunidade Libertária de IA, Thomaz Lúcio refletia sobre o ocorrido. — Acho que ainda não me conheço o suficiente. Melancolicamente recordou a célebre frase: Conheça-te a ti mesmo. Então, apanhou o dispositivo eletrônico que estava na raqueteira, ligou e começou a ler o livro: O ego é seu inimigo.[1]

 

 

 

 



[1] RYAN HOLIDAY. O ego é seu inimigo: Como dominar seu pior adversário. 1a edição ed. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2017. 

 

No hospital - Por Aldir Guedes Soriano

Figura  1- Imagem ‘sala de espera’ concebida pelo autor e gerada através de tecnologia de IA da OpenAI's DALL-E, em 06/07/2024. São Paul...